Reforma Tributária e o regime de “serviços financeiros”

por | 6 de fevereiro de 2024 | Com a Palavra | 0 Comentários

Após longo período de discussões, a reforma tributária sobre o consumo foi promulgada pelo Congresso Nacional ao final de dezembro de 2023, por meio da Emenda Constitucional (“EC”) nº 132.

O objetivo da reforma foi simplificar o sistema de arrecadação por meio da junção parcial dos atuais tributos.

Assim, foram instituídos os seguintes tributos:

  • Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS de competência federal), que substituirá os atuais PIS, COFINS e IPI;
  • Imposto sobre Bens e Serviços (IBS de competência dos estados, DF e dos municípios) que substituirá os atuais ICMS e ISS.

O período de transição ocorrerá até 2032, sendo que a partir de 2033 haverá a vigência plena dos novos tributos.

Em linhas gerais, o texto aponta que:

  • A base tributável será ampla e incidirá sobre todos os bens e serviços, materiais e imateriais, inclusive direitos;
  • O cálculo do tributo será por fora, ou seja, CBS e IBS não comporão as suas próprias bases de cálculo;
  • Haverá uma alíquota de referência fixada por Resolução do Senado Federal, cuja porcentagem da alíquota será detalhada em lei complementar e será aplicada caso o ente federativo não houver estabelecido alíquota;
  • Tributação ocorrerá sempre no destino, ou seja, a definição da alíquota será a de onde o bem ou serviço for consumido;
  • Deixa claro que a tributação incidirá sobre as importações, mas não sobre as exportações.

Quanto ao mercado de meios de pagamentos, há um regime tributário de “serviços financeiros” que se refere a um regime diferenciado de alíquotas, de base de cálculo e de regra de creditamento. A EC nº 132 tratou de definir “serviços financeiros” da seguinte maneira (art. 10, inciso I, da EC nº 132):

“a) operações de crédito, câmbio, seguro, resseguro, consórcio, arrendamento mercantil, faturização, securitização, previdência privada, capitalização, arranjos de pagamento, operações com títulos e valores mobiliários, inclusive negociação e corretagem, e outras que impliquem captação, repasse, intermediação, gestão ou administração de recursos; e

b) outros serviços prestados por entidades administradoras de mercados organizados, infraestruturas de mercado e depositárias centrais e por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, na forma de lei complementar;” (destacamos).

O rol de instituições e operações é mais amplo do que o atualmente previsto na legislação tributária para instituições financeiras e equiparadas, se comparado, por exemplo, ao rol de obrigados ao lucro real para fins do IRPJ[1] ou aos sujeitos ao regime cumulativo de PIS/COFINS[2].

Ao prever “operações de (…) arranjos de pagamento, (…) e outras que impliquem captação, repasse, intermediação, gestão ou administração de recursos; e outros serviços prestados (…) por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central”, esse regime específico poderá abranger qualquer instituição que intermedeie pagamentos em geral.

Isso certamente impactará o mercado de meios de pagamento como um todo, incluindo as instituições de pagamento, autorizadas e não autorizadas a funcionar pelo Banco Central, como emissores pós-pago e pré-pago, instituidores de arranjos de pagamento, credenciadores e subcredenciadores.

Além disso, quanto às instituições financeiras bancárias, elas se submeterão ao regime geral quando os serviços forem remunerados por “tarifas ou comissões”.

No entanto, no caso dos demais serviços financeiros como, por exemplo, operações de crédito com receita de juros/spread, eles se sujeitarão ao regime específico. Neste caso, deverá ser mantida a carga tributária dos tributos extintos entre dezembro de 2023 a dezembro de 2028 (art. 10, §1º, II, da EC nº 132/2023).

As regras desse regime específico de “serviços financeiros” ainda não estão plenamente detalhadas, pois o texto da EC nº 132 deixa a critério de uma futura lei complementar a definição de diversos pontos como base de cálculo, forma de creditamento, base para a alíquota de referência a ser objeto de resolução do Senado Federal, entre outros.

O legislador terá a difícil tarefa de afastar conflitos de competência entre os mais de cinco mil municípios, tendo em vista que a tributação ocorrerá no destino, ou seja, no local dos tomadores de serviço.

Nesse aspecto, é interessante lembrar da relativamente recente tentativa de alteração na legislação do Imposto sobre Serviços, por meio da Lei Complementar nº 157/2016, para que o pagamento sobre determinados serviços, em especial os relacionados ao setor financeiro e de pagamentos, fosse feito ao município onde está localizado o tomador.

Tal tentativa foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2023 (ADI 5835/DF), entre outros aspectos, por conta do entendimento de que a lei não era clara na definição do que seria o domicílio do tomador de serviços, o que gerara óbvia insegurança jurídica e conflito de competência.

Considerando que os projetos de lei complementar para regulamentação da EC nº 132 deverão ser encaminhados ao Congresso até a metade deste ano de 2024, essa é a hora das associações e empresas do setor exigirem dos parlamentares regra claras, que garantirão a almejada simplificação no recolhimento dos tributos.


[1] Incisos do art. 257 do Anexo do Decreto Federal nº 9.580/2018.
[2] Art. 8º da Lei Federal nº 10.637/2002 e art. 10 da Lei Federal nº 10.833/2003.

Fialdini Advogados é um escritório especializado nos mercados de pagamento e de produtos e serviços financeiros baseados em tecnologia, prestando serviços jurídicos e regulatórios aos integrantes do mercado como um todo, de startups a companhias abertas. 

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