A regulação das apostas esportivas no Brasil e a sua relação com as fintechs

por | 14 de fevereiro de 2024 | Com a Palavra | 0 Comentários

Marco Regulatório: Em 30 de dezembro de 2023, foi publicada a Lei nº 14.790 que regulamentou apostas esportivas e jogos online no Brasil. A lei oferece diretrizes claras e abrangentes sobre aspectos cruciais das apostas online: a regulamentação, a fiscalização, e até mesmo quem deve realizar o monitoramento dessas atividades – tarefa atribuída ao Ministério da Fazenda.

Trata-se de um marco regulatório importante efetivo no País, uma vez que ocupamos a terceira posição mundial no consumo de apostas esportivas de quota fixa[1], também conhecido como “bets”, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da Inglaterra[2].

Com a nova lei, as apostas esportivas que, antes, eram permitidas apenas em lotéricas controladas pelo Governo Federal, passam a ser operadas também por empresas privadas nas modalidades de apostas online e em estabelecimentos físicos.

O procedimento de autorização será conduzido pelo Ministério da Fazenda, tendo sido garantido um prazo de pelo menos seis meses para a adequação das pessoas jurídicas que já estiverem em atividade. Atualmente, a Portaria Normativa MF nº 1.330/2023, que está em vigor, estabelece os primeiros requisitos e exigências específicas para os estabelecimentos, entre eles: a pessoa jurídica deve ser constituída com sede e administração no território nacional; ter sócio brasileiro detentor de, ao menos, 20% do capital social; e sócios ou acionistas controladores que não detenham participação direta ou indireta em clubes de futebol brasileiros (Sociedade Anônima do Futebol – SAF), organizações desportivas profissionais ou atuem como gerente de equipe desportiva brasileira; e instituições financeiras e de pagamento que processem apostas de quota fixa.

Além destes requisitos, o Ministério da Fazenda ainda deverá emitir regulamentação específica sobre a elaboração e avaliação da eficácia das políticas corporativas, já que a expedição e a manutenção da autorização serão condicionadas à comprovação, pela pessoa jurídica interessada, da adoção e da implementação de

  1. políticas, de procedimentos e de controles internos de: atendimento aos apostadores e ouvidoria;
  2. prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa;
  3. jogo responsável e prevenção aos transtornos de jogo patológico;
  4. à integridade de apostas e prevenção à manipulação de resultados e outras fraudes.

Vale mencionar também que as pessoas jurídicas operadoras neste mercado, deverão garantir que os jogadores recebam informações claras sobre:

  1. os riscos de perda dos valores das apostas;
  2. as condições e os requisitos para acerto de prognóstico e aferição do prêmio, sendo vedada a utilização de comunicação abreviada ou genérica no curso de efetivação da aposta;
  3. o serviço de atendimento em português aos apostadores, operacionalizado por canal eletrônico ou telefônico de acesso e uso gratuitos.

Bets e as fintechs: apenas as instituições brasileiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil poderão ofertar contas transacionais ou serviços de qualquer natureza que permitam a realização e pagamento das apostas. Portanto, os bancos, fintechs e bandeiras (instituidores de arranjos de pagamento) somente poderão prestar os referidos serviços para as operadoras/estabelecimentos que detenham autorização emitida pelo Ministério da Fazenda.

Além da verificação da autorização para funcionamento, as fintechs deverão averiguar se as operadoras de plataformas de apostas possuem estrutura e implementaram os procedimentos internos mínimos exigidos no combate à lavagem de dinheiro e de financiamento do terrorismo, como, por exemplo, a análise e monitoramento das apostas para fins de caracterização como suspeitas de lavagem de dinheiro, bem como  processo de comunicações ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre as operações que apresentarem fundadas suspeitas.

Mais uma vez estamos diante da necessidade, imposta pela lei, de um “aculturamento”, em termos de compliance regulatório e de combate a crimes financeiros, aos participantesdo mercado de apostas e bets ainda não familiarizados e sem prévia interação com essa rotina ou com especialistas nestes temas.

Nós, como atuantes no mercado regulatório bancário, especialmente no segmento de fintechs, somos treinados e temos experiência em traduzir a norma e aplicá-la, “proporcionalmente”, conforme cada caso concreto e o respectivo nível de complexidade e risco atrelados aos inovadores produtos financeiros das fintechs (que não são bancos). Assim, podemos contribuir assessorando os players do mercado de apostas e jogos online no Brasil neste momento de transição para o patamar regulado.

A nova lei adiciona transparência e credibilidade ao segmento como um todo, pois oferece a segurança jurídica necessária para que sejam barradas empresas não confiáveis (beneficiando os estabelecimentos sérios) e limita a atuação de fraudadores e crimes financeiros em geral. No entanto, devemos assegurar que a regulamentação não impeça que o mercado continue crescendo, sempre de maneira legítima, favorecendo e protegendo os operadores e apostadores íntegros, coibindo a atuação de sites ilegais e de manipulação de resultados.

A expectativa é que os detalhes adicionais da lei sejam definidos em até 180 dias após sua sanção, através de portarias. Continuaremos acompanhando.


[1] “quota fixa: fator de multiplicação do valor apostado que define o montante a ser recebido pelo apostador, em caso de premiação, para cada unidade de moeda nacional apostada”

[2] segundo dados da Comscore (empresa americana de análise de dados e métricas de mídia digital)


Fonte da imagem: Globo / Reprodução


Mareska Tiveron
Sócia no Viseu Advogados e Associada na Colink Business Consulting

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