O cartão de crédito e sua reinvenção

por | 4 de outubro de 2023 | Com a Palavra | 1 Comentário

Ao final dos anos 90 se popularizaram as financeiras e os cartões de varejistas. Início dos anos 2000, tivemos o advento do empréstimo consignado que, em muitos casos, também virou cartão e somente agora, pós 2015, iniciou-se nova trajetória de amplificação da democrática oferta de crédito via cartões digitais e somando aos propósitos de nova bancarização anunciado pelas Fintechs.

Nessa toada, afirmo categoricamente que a preferência pelos plásticos se dá por alguns motivos cruciais, em especial a renovação automática da linha de crédito, o uso indevido, mas natural, do cartão como instrumento de salvação do fim do mês para uma parcela importante da sociedade e, por fim e sendo o mais importante, se tornou o maior veículo de financiamento das pessoas físicas através do famoso parcelamento sem juros para aquisição de bens de consumo.

Além disso, o uso popular dos cartões de crédito no Brasil facilitou a implementação do crédito comunitário, impulsionado pela cultura de compartilhamento de cartões e influenciado por fatores como solidariedade, baixa renda per capita e falta de educação financeira.

Mas hoje vou me ater no tema que mais ferve nos jornais atualmente quando falamos de cartões de crédito que é a busca pela redução das taxas de juros e seu fiel contrapeso, altíssima inadimplência que segue como principal variável explicativa dos custos cobrados aos clientes.

O tema é cheio de nuances e gangorras, causas e efeitos. Um verdadeiro emaranhado de verdades difíceis de desconstruir no jogo instalado no Brasil. Como uma máxima de quem trabalha com isso sabe, é que o parcelado sem juros é uma jabuticaba, ou seja, só tem no Brasil, o que até hoje são sei dizer se é mesmo, mas posso afirmar que estamos exportando isso pelas principais bandeiras do mundo. Mas como funciona isso e o que tem isso a ver com os juros? Vamos lá tentar elucidar o caso:

Chega a copa do mundo de 4 em 4 anos e o que é mais certo que o musical do Roberto Carlos é que teremos enxurrada de promoções de TV.

O cliente entra na loja e a promoção é “TV em 12x SEM JUROS”, confere?

Bora lá então ver como segue o fio.

Os juros que o cliente acha que não paga já foi incorporado ao preço do produto pelo lojista, pois ao adotar essa modalidade, o comerciante incorpora em sua tabela a taxa de desconto da transação e o custo de antecipação das parcelas, pois nesse modelo o comerciante recebe conforme o prazo da transação, ou seja, em 12 parcelas também. Mas quem tem capital de giro pra isso? Ao final, dependendo do tipo de comércio e do fornecedor da famosa maquininha de cartão, tudo isso pode custar aproximado de 20% sobre o valor do bem.

O cliente que acha que não pagou juros, pagou mais caro e em alguns casos, o comerciante também pagou um pedaço, pois não conseguiu repassar todo custo ao cliente.

Ao aumentar o preço, o banco que deu o cartão para o cliente comprar a TV a prazo, passa agora a assumir todo risco de crédito dessa compra. Além disso, o risco aumentou, pois o produto ficou mais caro, tirando mais da renda do indivíduo e o prazo estendido agrega maior incerteza sobre a capacidade de pagamento desse cliente que está sujeito às reviravoltas que o país dá. Esse banco que chamamos de emissor não conseguiu cobrar os juros ao risco adicional perante toda base de clientes que usufruem desse contexto e no fim do dia acaba carregando sobre a faixa dos clientes que atrasam o custo da propensa inadimplência que na prática parte dessa propensão se realiza e muitas vezes, com força.

O que vemos aqui é um modelo estrutural fortemente enraizado com pontos certos e errados pra todos os lados. Não vou me meter a ter razão, mas quero pontuar algumas reflexões como por exemplo:

  • O desejo de transparência que toda a sociedade brasileira vem buscando, em especial dos governantes e toda sua carga tributária que pagamos e queremos destacar em cada nota fiscal, para saber quem sobrecarrega sobre os preços dos produtos e serviços que consumimos.
  • O desejo pela sofisticação da personalização dos ofertantes de bens e serviços, para que cheguem em nós de forma individualizada e sob medida quanto ao produto que eu gosto, na hora certa e no canal que quero interagir.
  • O desejo de obter maiores recompensas pela sua fidelidade perante um prestador de serviço ou estabelecimento comercial travestidos de cashback, pontos ou milhagens.

Todos esses desejos são recíprocos na relação inversa. Que tal um pouco mais de transparência, personalização e recompensas ajustadas para estabelecer essa relação dos Juros no cartão de crédito? Não existe sobrevivência sem equilíbrio. O sistema atual está gritando. Milhões de pessoas tem dívidas com cartões e grandes corporações estão repensando a manutenção da oferta desse produto. Programas como o Desenrola são super positivos, mas é apenas um alento. O debate amplo sobre o equilíbrio do sistema se faz muito mais que necessário e determinante para evitar o colapso.

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1 Comentário

  1. Edu Pires

    Excelente reflexão Lincoln!! Tema recorrente de análises pelos atores desse segmento, essa “venda” enraizada nas dificuldades: de renda, de entendimento, de baixa educação financeira tende mesmo ao desequilíbrio e todos pagam essa conta de alguma forma!!

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