A discussão sobre a origem da governança corporativa remonta à década de 1950 e flertou por diversas bases e bandeiras. Como um prato clássico da cozinha mais renomada, podemos encontrar diferentes origens, composições e, principalmente, versões a depender da fonte (ou do interesse propagado).
As versões iam de discussões que diziam respeito a formas para promover a aproximação dos interesses entre administradores – que exerciam o controle gerencial em companhias norte-americanas – e os acionistas, a debates que entendiam pela necessidade de promoção de conselhos de administração ativos para frear e balancear o poder dominante do acionista controlador – em companhias marcadas pelo controle concentrado.
Foi somente nos anos 1990 que a governança corporativa começou a ganhar notoriedade – em um entendimento diferente do que pode ser visto atualmente, é verdade – e começou a assumir uma posição de maior protagonismo junto ao empresariado nacional, quase como uma tendência gastronômica que passou a utilizar terminologias e apresentações mais sofisticadas de clássicos da cozinha. Seria uma gourmetização do conceito?
A despeito da maior popularidade – e sem dúvida avanços –, é um fato que a compreensão da governança corporativa ainda é limitada no cenário nacional, o que justifica a pertinência pela discussão verticalizada – e técnica – de uma temática tão relevante. Quem nunca se deparou, afinal, com um carbonara que levava creme de leite?
Releituras à parte, uma definição e um ponto de partida são necessários. A governança corporativa pode ser entendida como o conjunto de práticas, diretrizes e mecanismos que tem como objetivo estabelecer uma estrutura de gestão transparente, eficiente e responsável dentro de uma organização ou empresa. Este sistema visa aprimorar a relação entre os diversos stakeholders, incluindo acionistas, diretores, executivos, funcionários, investidores e demais partes interessadas, com o intuito de maximizar o valor da empresa de forma sustentável, ética e legal.
Na mesma linha vai o conceito trazido pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), entidade que reúne os principais chefs da temática:
“Governança corporativa é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários, Conselho de Administração, Diretoria e órgãos de controle. As boas práticas de governança corporativa convertem princípios em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para sua longevidade.”
IBGC, 2004
Não obstante a existência de inúmeras definições para o termo, é inegável que todos os conceitos pretendidos para a governança corporativa apresentam bases comuns de princípios, finalidades, modelos e práticas. É o que se espera de um prato clássico, afinal.
Dentre os principais pilares que são comumente relacionados à governança corporativa, podem ser destacados os seguintes: (i) Transparência e Prestação de Contas; (ii) Responsabilidade Corporativa; (iii) Proteção dos Direitos dos Acionistas; (iv) Sustentabilidade e Longevidade; (v) Acesso a Capital; (vi) Cumprimento de normas e regulamentações; (vii) Criação de Valor.
A lógica – como toda boa receita – é simples de explicar:
- A governança corporativa exige a divulgação precisa, transparente e oportuna das informações financeiras e operacionais da empresa, sendo que isso permite que os investidores e demais partes interessadas tomem decisões informadas, aumentando a confiança no mercado e reduzindo o risco de fraudes.
- No que diz respeito à responsabilidade corporativa, a governança corporativa estabelece padrões claros de responsabilidade e ética nos negócios, o que contribui para evitar conflitos de interesse, corrupção e condutas antiéticas, protegendo assim a reputação da empresa e mitigando possíveis riscos legais.
- No que diz respeito à sustentabilidade e longevidade, uma governança eficaz ajuda a empresa a adotar práticas sustentáveis e a longo prazo, o que é fundamental para sua sobrevivência em um ambiente de negócios em constante evolução.
Já as potenciais aplicações e modelagens estão longe de serem consideradas simples e, tal como um prato de alta complexidade, é justamente nos detalhes, na técnica e na forma de apresentação que mora o segredo. Em um ambiente negocial que entende que empresas que adotam padrões de governança elevados tendem a ser mais atraentes para investidores, podendo, por consequência, acessar capital com mais facilidade e custos mais baixos, a “receita de sucesso” pode não ser um diferencial por si só.
Esse é justamente o debate que se propõe nesta coluna: uma discussão honesta e verticalizada que procurará validar e discutir as bases técnicas da governança corporativa e enfrentar de forma crítica as tendências observadas pelo mercado. Afinal, quando o tempero chama mais atenção do que o prato principal e assume o papel de protagonista, algo – normalmente – pode estar errado.
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