Compliance nas Fintechs: na prática, a teoria é outra

por | 31 de outubro de 2023 | Com a Palavra | 0 Comentários

Podemos resumir “Compliance” como um conjunto de mecanismos que busca prevenir, detectar e mitigar riscos nas organizações, sendo este um conceito já bem conhecido no mercado de forma geral, porém, ainda há, infelizmente, um mindset cultural no Brasil de que tais mecanismos são sinônimos de burocracia, entraves, obstáculos para se atingir a escalada e a inovação.

Isso porque quando tratamos do Compliance especificamente no âmbito do segmento financeiro das Fintechs, estamos tratando de um business core regulado. O foco se dá no mapeamento, elaboração de planos de ações e processos para prevenção dos principais riscos enfrentados por estes players, que são:

Sanções Regulatórias: a não conformidade às normas de diversas entidades reguladoras do segmento financeiro (BACEN, CMN, ANPD) que pode ensejar em penalidades de diferentes modalidades (multas, interrupção de serviços, processos administrativos contra os diretores, e etc).

Perdas Financeiras: avalia-se a real probabilidade de acontecer um cenário financeiro que seja adverso à Fintech, como inadimplência, fraude, ações judiciais, mudanças na política e na economia e outras situações que geram prejuízos financeiros.

Reputação: muitas vezes esquecido, o risco de imagem é muito relevante (e praticamente não tem preço), uma vez que, ao lidar com o ‘dinheiro das pessoas ou empresas’ uma falha no serviço ou produto oferecido pelas Fintechs pode resultar em uma quebra de confiança por parte dos clientes e do mercado em geral, que pode impactar na credibilidade de modo irreversível (lembrando que é um assunto que ‘vende jornal’ e ‘passa na TV’).

Para tanto, as Fintechs se deparam com a necessidade de providenciar as famosas Políticas, como uma das primeiras etapas do desenvolvimento do Programa de Compliance: i) Política de KYC (Conheça seu Cliente); ii) Política de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (PLD); iii) Política de Segurança da Informação e Proteção de Dados; iv) Política de Gerenciamento de Riscos e Controles Internos; v) Código de Ética.

Mas, obviamente, não para por aí. Aliás, começa a partir daí! Será necessário contratar pessoas; treinar; estruturar cada uma das equipes; definir cuidadosamente os processos e procedimentos internos; integrar soluções tecnológicas de eficiência do cadastro de clientes (detecção de atipicidade de transações; identificação de comportamento financeiro suspeito); investir em features de segurança cibernética e etc… para, então, implementar, na prática, tudo que está previsto na ‘teoria’ das Políticas.

Porém, fintech não é banco. O orçamento disponível para suportar todas estas frentes é finito, headcount para fazê-las acontecer é limitado e muitas vezes a cultura da fundação da Fintech é mais “tech” do que “fin”. Sem contar na capacitação, pois “compliance para fintechs” não se confunde com o Compliance tradicional das Instituições Financeiras e exige dos profissionais à frente deste projeto, muito “jogo de cintura” para executar as seguintes atividades:

  • muita troca e ‘escuta ativa’ com os times de negócios, produtos, financeiros, comercial e tecnologia;
  • ter experiência prévia com temas regulatórios e produtos disruptivos é fundamental para definir o score de risco bem detalhado e personalizado para cada fintech;
  • já com o score, auxiliar no desafio de definir a ordem de priorização dos planos de ação, em meio a tantos gaps a serem sanados;
  • preparar treinamentos para toda a empresa sobre os temas de Compliance em linguagem didática, simples e que gere engajamento e real aculturamento;
  • ser proativo focando mais na busca de soluções para mitigação de risco do que tão somente no ‘apontamento de problemas’

Para que tudo isso funcione bem o profissional de compliance deve ter sempre a postura de parceira e não de “fiscal” ou “prevenção a vendas”, mas sim “abraçar o propósito da empresa”, assim como faz o time comercial, o CEO, com o espírito de empreendedorismo, de apoio à inovação, o que é plenamente possível sem deixar de lado a função que lhe cabe, que é garantir a sustentabilidade, segurança, credibilidade do produto e serviço financeiro oferecido aos clientes (ainda que para isso seja necessário buscar a inovação regulatória – why not?!).


Banking, Fintechs & Startups Specialist | Technology| Compliance | Regulatory | M&A | Palestrante(Speaker) | Professora | Mentora

Mareska Tiveron foi a diretora responsável por construir e estruturar o programa de compliance de importante Fintech (IP, emissora de moeda eletrônica, subcredenciadora, BaaS, embedded finance) do zero até o cumprimento dos gaps exigidos para a licença junto ao BACEN, passando pelas contratações das pessoas chave, estruturação de equipes, elaboração das políticas, processos e procedimentos, interlocução com stakeholders e reguladores, implementação da governança corporativa, treinamentos e apoio aos times de produto, negócios e tecnologia para que os planos de ações fossem cumpridos.

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