Reforma Tributária – Serviços e receitas das empresas de meios de pagamento poderão estar sujeitas a um regime específico de apuração do IBS e da CBS

por | 18 de fevereiro de 2025 | Com a Palavra | 0 Comentários

No dia 16 de janeiro de 2025, foi publicada a Lei Complementar Federal nº 214 (“LC nº 214/2025”), que, entre suas disposições, institui o Imposto sobre Bens e Serviços (“IBS”) que substituirá o ISS (tributo municipal) e o ICMS (tributo estadual), e a Contribuição sobre Bens e Serviços (“CBS”) que substituirá a Contribuição ao PIS, a Cofins e parcialmente o IPI (tributos federais).

Determinados setores da economia brasileira terão regras específicas para apuração do IBS e da CBS, entre eles o regime específico de “serviços financeiros”, que pode englobar empresas prestadoras de serviços de pagamento.

A LC nº 214/2025 define “serviços financeiros” como os “arranjos de pagamento, incluídas as operações dos instituidores e das instituições de pagamentos e a liquidação antecipada de recebíveis desses arranjos”. Esses serviços podem ser prestados tanto por instituições de pagamento autorizadas ou não pelo Banco Central (“BCB”) quanto por participantes de arranjos de pagamento que não se qualificam como instituições de pagamento.

Vale observar que a LC nº 214/2025 manteve no regime geral de apuração do IBS e da CBS, sem a possibilidade de aplicação de alíquotas diferenciadas previstas no regime específico, (i) os serviços de manutenção e encerramento de conta de pagamento pré-paga e pós-paga prestados por instituições de pagamento (autorizadas ou não) e remunerados por tarifa e comissão e a (ii) relação do emissor e portador de instrumento de pagamento, exceto as operações de crédito, que ficam sujeitas ao regime específico de serviços financeiros, como ocorre com o crédito concedido em operações de cartão de crédito.

Serviços sujeitos ao regime específico de IBS e CBS

No que se refere aos serviços de pagamento sujeitos ao regime específico de IBS e CBS, o texto da lei menciona aqueles relacionados ao “credenciamento, captura, processamento e liquidação das transações de pagamento e aos demais bens e serviços fornecidos ao credenciado, a outro destinatário do arranjo e entre participantes do arranjo”. Entre as hipóteses que podem ser abrangidas por essa tributação específica, destacam-se:

(i)os serviços de arranjo remunerados pelo credenciado mediante taxa de desconto nas transações de pagamento” como é o caso da taxa MDR cobrada nas transações de cartões de crédito e débito;

(ii)a locação de terminais eletrônicos e o fornecimento de programas de computador (software) que viabilizam o funcionamento dos arranjos de pagamento” como são os casos do aluguel das maquininhas POS e do fornecimento de softwares para pagamento online;

(iii) bens e serviços fornecidos pelos instituidores de arranjos de pagamento aos demais participantes do arranjo, ainda que a cobrança não esteja vinculada a cada transação de pagamento” e

(iv) “bens e serviços importados das bandeiras de cartões pelos instituidores e participantes de arranjos de pagamentos”.

Base de cálculo do IBS e da CBS – Receita tributável

Já em relação à receita auferida pela prestação desses serviços, há previsão de que a base de cálculo do IBS e da CBS compreende o “valor bruto da remuneração recebida diretamente do credenciado, acrescido das parcelas recebidas de outros participantes do arranjo de pagamento e diminuído das parcelas pagas a estes”.

Isso significa que a tributação incidirá apenas sobre o valor líquido que efetivamente remunera o serviço prestado, o que traz maior segurança jurídica aos participantes de um arranjo de pagamento por cartões, pois considera apenas a taxa de MDR líquida que efetivamente remunera cada participante do arranjo e não valor total bruto do MDR.

Além disso, os rendimentos de aplicações de recursos em contas de pagamento integram a base de cálculo do IBS e da CBS, deduzidos os valores de rendimentos pagos em favor dos titulares, de modo que as instituições de pagamento, ao aplicarem esses saldos em títulos públicos por determinação do Banco Central, devem tributar os rendimentos que permanecem com ela e que não são repassados aos clientes.

Outro aspecto relevante da LC nº 214/2025 é a tributação da receita de locação de POS, que atualmente não é sujeita à tributação do ISS e tampouco do ICMS, mas passará a ser sujeita ao IBS e à CBS. Assim, com a reforma tributária, a carga tributária sobre locação de maquininhas POS deve aumentar, o que impacta as instituições que oferecem esse tipo de operação.

Tributação da antecipação de recebíveis

A nova legislação também traz impactos para a operação de antecipação de recebíveis (conhecida, também, como “pré-pagamento”).

Hoje, essa operação é frequentemente tratada como receita financeira, sob argumento de que não faz parte do objeto social da empresa, o que reduz, portanto, a tributação da Contribuição ao PIS e da Cofins, além de não estar sujeita ao ISS.

Esse entendimento encontra respaldo no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) que já apontou no passado que a receita advinda dessa operação é financeira e no BCB que entende que há apenas abatimento de um passivo que o antecipador tem com o estabelecimento comercial, bem como na jurisprudência em que houve afastamento do ISS sobre a operações semelhantes.

No entanto, há controvérsias e alguns julgados mais recentes sugerem o tratamento como receita operacional o que culmina em uma tributação mais elevada, tendo em vista decisões administrativas da Prefeitura de São Paulo e do CARF que apontou que a operação de antecipação de recebíveis é equiparada à uma operação de fomento mercantil (“factoring”).

Com advento da LC nº 214/2025, essa incerteza parece ser resolvida, ainda que de forma desfavorável ao contribuinte, pois o texto deixa claro que o desconto aplicado na liquidação antecipada de recebíveis de arranjos de pagamento será tributado pelo IBS e pela CBS. A legislação permite algumas deduções como os valores da curva de juros futuros da taxa de depósitos interbancários (“DI”) pelo prazo de antecipação, as perdas incorridas no recebimento de crédito e as perdas na cessão de crédito e na concessão de descontos, desde que realizados a valor de mercado.

Além disso, há previsão expressa de que as alíquotas de IBS e CBS serão as mesmas dos demais serviços de arranjos de pagamento, pela qual é possível entender que a receita de antecipação de recebíveis passa ser definida como uma receita operacional e terá, por exemplo, a mesma carga tributária de IBS e CBS sobre a receita de MDR.

Conclusão

A reforma tributária representada pela LC nº 214/2025 traz mudanças significativas para o setor de meios de pagamento, na medida em que estabelece um regime específico para a tributação de diversos serviços e direitos. As novas regras podem resultar em aumento da carga tributária para determinados segmentos, especialmente no que diz respeito à locação de terminais POS e à antecipação de recebíveis. Diante desse novo cenário, é fundamental que as empresas do setor avaliem os impactos da nova legislação para mitigar seus efeitos.


Fialdini Advogados é um escritório especializado nos mercados de pagamento e de produtos e serviços financeiros baseados em tecnologia, prestando serviços jurídicos e regulatórios aos integrantes do mercado como um todo, de startups a companhias abertas.

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