Com a publicação da Lei nº 14.790/2023 (Lei de Apostas), foi instituído dispositivo que veda Instituidores de arranjos de pagamento, Instituições financeiras e de pagamento a aceitarem e processarem transações de pagamento para fins de atividades de apostas de quota fixa (Bets) não autorizados, conforme determina o art. 21, caput. Tal obrigação vigora desde 1º de janeiro de 2025, conforme nova redação dada pelo art. 26 da Portaria SPA/MF nº 827, e foi regulamentada pela Portaria SPA/MF nº 566 (Portaria 566).
Desde então, se essas instituições já estavam obrigadas a observar a legislação e regulamentações vigentes para identificação de todos os seus clientes, conforme legislação e regulamentação específica para Prevenção à Lavagem de Dinheiro (PLD/FT), tornou-se, também, imprescindível esses procedimentos para fins de cumprimento das normas no âmbito das Bets. Isto porque, para negar transações com fins de operar Bets irregulares, a Instituição financeira ou de pagamentos deve primeiro identificar do que se trata as origens financeiras de seus clientes e, se for o caso, monitorá-los.
Além da obrigação de negar o processamento das transações comentadas acima, a Portaria 566 determina o dever de informar à Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) sobre indícios de operadores irregulares de apostas, bem como fixa a obrigação das instituições do mercado financeiro a se absterem de criar e manterem contas para exploração de apostas por entes não autorizados.
Sendo assim, para identificar operações de Bets e a finalidade de transações intermediadas por instituições financeiras ou de pagamento, é recomendável que o ente estabeleça procedimentos de identificação e qualificação de clientes, com base tanto em declarações e informações fornecidas pelo próprio cliente da instituição, quanto por informações verificadas e apuradas diretamente pelo ente – como por exemplo, checagem de listas de screening, verificação das plataformas digitais de empresas clientes e análise de informações das licenças deferidas e indeferidas nos sites da própria SPA.
Informações associadas à contraparte da transação também podem auxiliar na identificação e monitoramento da transação – o recebimento pelo cliente pessoa física da instituição de recursos enviados por empresa jurídica do setor de bets pode indicar pagamento de prêmio a tal pessoa, por exemplo.
As instituições devem se manter atentas a determinados padrões que, por si só, levantem suspeitas quanto a sua conformidade com a lei, especialmente quando os elementos de uma transação ou conjunto de transações indiquem uma tentativa de simulação, fraude ou omissão de informações pelas partes envolvidas.
Como exemplo, cita-se o pagamento reiterado de pequenas quantias, por pessoas físicas distintas, para uma conta específica de pessoa jurídica que, constantemente, faça remessas no mesmo valor total a outra conta nacional ou no exterior. A existência de conta centralizadora de recursos nesta forma por si só não caracteriza operação irregular (podendo ser conta de agente de coleta, ou de agente prestador de serviços de eFX em conformidade com a regulação), mas tais operações também podem indicar uma tentativa de “mascarar” envios de recursos a conta de operador irregular de Bets.
No caso acima, não possuindo a instituição informações suficientes e claras sobre as atividades da pessoa jurídica detentora da conta, de forma que possam ser levantadas suspeitas quanto às motivações das transações efetuadas, o prudente é realizar análise mais detalhada – que inclusive pode envolver a solicitação de esclarecimentos e documentos adicionais ao cliente – para embasar a decisão pela instituição quanto à regularidade das operações, sua eventual comunicação as autoridades competentes, e o interesse ou não da instituição na manutenção do relacionamento comercial com seu cliente envolvido na transação.
Vale ressaltar que operações com suspeita de simulação ou nas quais haja dificuldade de obtenção de informações do cliente ou da transação são consideradas situações de suspeita de lavagem de dinheiro, logo, além de analisar a necessidade de envio das informações à SPA, o ente deve analisar, ao mesmo tempo, se deve efetuar comunicação ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), nos termos da Lei nº 9613/1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro).
O descumprimento das exigências pode sujeitar a instituição às sanções administrativas aplicadas pela SPA, estabelecidas na Lei de Apostas, e, potencialmente, também à sanções administrativas do BCB, caso identificada operação pela instituição em desconformidade com a regulação que lhe seja aplicável, ou por exercício de atividade sem a devida autorização.
Por último, também há risco relacionado ao uso de serviços de Bets para a prática de crimes de lavagem de dinheiro e relacionados, de forma que a instituição de pagamento que realize operações no setor também deve adotar e manter procedimentos de PLD/FT para identificação e monitoramento de operações suspeitas. A instituição que deixe de cumprir suas obrigações relacionadas à identificação de clientes, manutenção de registros e comunicação de operações suspeitas ao COAF estará sujeita às infrações previstas na Lei de Lavagem de Dinheiro.
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