Chegada do Drex e fim do dinheiro em espécie pode virar audiência pública na Câmara

por | 6 de novembro de 2024 | Com a Palavra | 0 Comentários

Qual o impacto de deixarmos de usar a moeda em papel no Brasil?

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Bom dia Linconl e amigos e amigas da UltraTalks!

Essa notícia tem uma forte conexão com a matéria que comentei na última semana, em que o Conselho Fiscal da Dinamarca gostaria de taxar os lucros obtidos com bitcoins, mesmo que não realizados (coloco o link dessa matéria em anexo). Embora a digitalização da economia seja muito positiva, essas duas matérias mostram os riscos de se mudar o sistema monetário sem a devida análise dos impactos que isso pode causar.

Mas vamos por partes: primeiro, o que se tem planejado de regulamentação.

O Projeto de Lei 4068/2020 propõe a criação do Drex, a moeda digital brasileira. Essas moedas digitais emitidas por Bancos Centrais (chamadas de CBDC – Central Bank Digital Currency) trazem sim grandes benefícios. Mas o mesmo projeto prevê a suspensão da moeda em papel no prazo de 5 anos. Na reportagem que destacamos hoje, a deputada Júlia Zanatta está, a meu ver prudentemente, trazendo para consulta pública essa ideia de suspensão do dinheiro físico.

Bem, a introdução de uma CBDC é positiva porque ela utiliza uma tecnologia de registro distribuído, que tecnicamente garante segurança, imutabilidade e rastreabilidade à operação. Com uma moeda digital as transações tendem a ser instantâneas, com menos ou até sem intermediários e com menor tempo de resposta, isso se comparado com sistemas de pagamentos tradicionais, que dependem de transferências bancárias e mecanismos de compensação. O uso dessa tecnologia associada aos contratos inteligentes permite um grau de automação e segurança que iria facilitar muito certos tipos de operações – a mais usada como exemplo é a da venda de um veículo com a transferência do valor amarrada à mudança automática do seu registro no Detran.

Outro fator positivo na adoção de uma CBDC é que isso está alinhado com uma tendência mundial: diversos países, como China e a Suécia, ou mesmo o Banco Central Europeu estão em estágios avançados de desenvolvimento de suas próprias moedas digitais. Esses países buscam principalmente combater a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo, além de fortalecer o controle sobre políticas monetárias. Assim, o Drex vai permitir que o Brasil se mantenha competitivo por se integrar a um sistema financeiro mundial que se digitaliza cada vez mais.

Porém, a digitalização traz alguns riscos, especialmente quanto ao controle do estado e sobre a privacidade dos cidadãos. Se o papel-moeda fosse extinto, o governo teria obviamente visibilidade e pleno controle sobre 100% das transações financeiras. No caso de regimes com menor transparência, a possibilidade de condicionar o uso da moeda a determinados comportamentos ou alinhamentos políticos é um grande perigo. Tecnicamente, o estado poderia por exemplo determinar que o dinheiro especificamente de João, de José ou de Maria não vale mais nada, transformando a moeda digital em uma ferramenta de controle.

É claro que alguém pode dizer que “não” – a democracia no Brasil está consolidada e as instituições que protegem o cidadão são sólidas e confiáveis! Pode até ser que sim, embora haja quem discorde. Mas isso não importa: esse é o cenário de hoje. Em um contexto histórico, tudo pode mudar em 10 ou 15 anos. Se você dá completo controle a qualquer instituição que influencia significativamente a sua vida sem saber quem irá administrá-la no futuro, você está assumindo um grande risco.

Mas a meu ver o maior argumento contra o fim do papel-moeda em 5 anos são as disparidades sociais e culturais do Brasil. Não encontrei dados recentes, mas um estudo da Anatel feito há 1 ano mostrava que 76% da população não tem conhecimentos básicos para usar a internet, como baixar aplicativos ou anexar documentos… É claro que isso não mudou radicalmente em 1 ano. E daqui a 5 ou 6 anos, se esse grau de analfabetismo digital caísse incrivelmente de 76% para apenas 10% da população, o fim do papel-moeda estaria negando a uns 22 milhões de brasileiros o acesso a todas as funcionalidades do sistema financeiro nacional. Ou seja, propor o fim da moeda em papel em tão pouco tempo me parece a visão de alguém que só tem percepção de como é a vida nos grandes centros urbanos. Mas espero que eu esteja errado.

Em resumo, o Projeto de Lei do Drex é realmente uma modernização financeira para o Brasil: promove eficiência e maior transparência do sistema de pagamentos. Mas é fundamental que sejam definidas salvaguardas rigorosas para garantir a privacidade dos usuários e evitar abusos de poder. E embora eu concorde que o fim do papel-moeda seja um objetivo que deve ser buscado, ainda está muito cedo para se definir uma data limite para uma mudança como essa, que seria impactante para muitas partes de um país como o Brasil, com tantas diferenças sociais e de instrução. Além das diferenças de estrutura, porque uma moeda digital só vai funcionar se toda a estrutura tecnológica e de comunicações estiver operante, e em um país continental como o nosso, ainda está longe de podermos garantir tal coisa.         

A UltraTalks vai continuar de olho em movimentos como esses e trazendo aqui a informação para vocês. Obrigado por nos acompanharem e até a próxima semana.

Quer saber mais detalhes sobre essa análise e ficar por dentro das principais notícias do dia?
Ouça o conteúdo completo no nosso podcast diário Morning Talks, disponível agora.: https://www.youtube.com/playlist?list=PLvUie0MowH7qalhG9ASMF9C42wD0wrWen

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